fuga
- Como é que paro de pensar naquilo que os outros pensam ou acham de mim?
- Basta quereres, basta não ligares à sociedade materialista que temos, que só pensa no que dizemos ou como dizemos. Tens de ser tu, só tu. Aprendi isso há tão pouco tempo, em 18 anos só há um ano aprendi a agir assim. De que te serve fingires algo que não és? De que serve viveres para agradar aos outros? As únicas, únicas… Só as pessoas que gostam de ti realmente, que te aceitam como és, é que gostam de ti. Se agires conforme querem que tu ajas que estas aqui a fazer? És um pau mandado da sociedade? Tens de ser tu. Se não gostas do 'tu' então muda, mas por ti, não pelos outros.
- Estou farto de ouvir o mesmo, da mesma maneira. Eu preciso daquela maneira daquela palavra, daquela chave, daquela luz que brilhe que abra uma porta e que diga. TRUFAZ É isto e pronto. Não há mais.
- E já procuraste essa palavra?
- Já. Mas não sei qual é, nem sei como encontrá-la.
Às vezes há perguntas que só o tempo pode resolver. É preciso paciência até encontrar as soluções para coisas a que ninguém sabe responder, e essas são provadas com acções, com atitudes, com força de vontade. Só nós podemos conduzir essas respostas e nós é que temos de as transformar em gestos que possam oferecer felicidade a todos os dias para que acordamos.
sentir ou ser
nada real pode ser cor-de-rosa, nada real pode ser imaginado. há imagens desfocadas, imagens sem sabor, sem paladar e sem um único ruído. essas são as melhores, as que mais guardo na alma, as que mais me tocam e me deixam mais tempo adormecida. mesmo por não ser capaz de as ver nitidamente, são como um desafio que me ponho, mas que não resolvo. sabe bem vê-lo apagado, sabe bem mordê-lo assim - sem exactidão. aprendi a aproveitar esse recheio no meu mundo, mas de uma forma conciliada e moderada para, assim, poder ser feliz. não sentir-me feliz, ser feliz.
Sem dúvida
Áspero
bebé
quando for embora vou eu, e vai o teu coração comigo, o teu coração rockeiro, traquina, irrequieto, endiabrado, alegre e familiar.
amo-te
Proveito
por não terem dinheiro são piores que nós? por terem de nos tirar um euro para almoçar deixam de merecer a vida? se temos um coração tão grande, que bate tantas vezes por segundo, porquê não deixar de rir os minutos em que gozamos com eles e passarmos a vê-los de outra forma? o valor que nós damos a um prato de comida é o que eles dão a um abraço quente numa noite fria! muito daquilo que eu tenho era capaz de dar. dava para poder educar um sorriso brilhante num deles, e bastava a um porque os outros, com o companheirismo que eles ganham entre si, impossível de haver entre nós, sorririam também ao vê-lo feliz. sei, chego a ter certezas, de que todos passamos por eles e nem sequer damos pela sua presença, enquanto que a um de nós, pelo perfume, pela pulseira, pelo casaco, pelos ténis, pela parte ridícula, somos capazes de observar e de invejar por ter a etiqueta vestida. é a falsidade que transforma uma indiferença a um sorriso cínico e que, sem darmos conta, nos confronta todos os dias.
e o mais ridículo é que sou obrigada a usar um eles e um nós.
Cisma
não me apetece mesmo escrever agora, estou a ser invadida pela estupidez e por um sentimento que repugno que tenham. as dúvidas também são tantas, também deviam diminuir, para meu bem pelo menos. mas os sons graves e agudos são mais fortes que eu, mais fortes do que a minha razão, o pensamento agora está em cima de tudo. quero rever tudo, em câmara lenta. pede-mo só, que eu faço.
escrever
segundo me conheço, esta noite vai durar, demorar e porlongar-se por uns dois dias.
into the wild
deve ser tão bom poder ter a certeza de que não vão haver guerras dentro de nós, de que nada nos pára nem nada nos pode tirar a sensação de liberdade, um sentimento de que muita gente foge por exigir muita responsabilidade. o bicho, sem saber, deixa de ser livre quando se agarra a alguma coisa, quando se torna materialista, quando dá valor à marca, ao preço, à identidade.
Vamos respirar e passar para a próxima etapa.
Escada
Para quê tentar reformar aquilo que já estava destinado desde que o sol ardeu pela primeira vez, no segundo em que o mundo começou a correr e na altura em que o clarão foi visto pelo círculo completo e esverdeado?
Tudo se restringe às tentativas falhadas – essas que fazem o ser humano querer desistir e afundar as suas forças num baú que é abrigado no mundo mais longínquo e menos concreto.
O sol que nasceu a brilhar só agora me aquece transversalmente com uma vaga de frio que me preenche todos os espaços vazios e todos os tons imaturos, que me apaga todas as mágoas que ainda podem ter um canto de vida.
Agora, que estou sentada, no escuro da alma, onde o pó se apodera de mim, onde ninguém me ouve, entrego-me ao momento e penso em todas as companhias da euforia. Dentro do meu sonho consigo criar um arco-íris, consigo transformar uma roda num pé, uma revista num livro recheado de poesia e despido de ruídos. E todas as dores que visualmente me caracterizam desaparecem - passei a transbordar apenas a cor da calma, da serenidade, do conforto que tenho comigo, dos parques, dos cafés, dos bancos de jardim e da madeira apedrejada.
Aqui, ouço um relógio, sinto-lhe o tom e cheiro-lhe as batidas melancólicas e solidariamente contínuas. É como se o tempo agora me tivesse sido entregue, como se tudo o que gira à minha volta esperasse por mim.
O mundo parou e o meu corpo continua a balançar-se nesta pancada que me agonia a cada longo segundo.
Um ano e trinta e quatro dias depois
Claridade
É como se todos os problemas tivessem desaparecido. Estão lá, mas não os sinto nem os ouço! É maravilhoso o que a concentração faz comigo. Notas que cantam, é um ritmo viciante que muda aos poucos e que de repente se transforma em batimentos mais modestos, mas mais acelerados. Apetece-me chocolate, apetece-me mergulhar dentro do mar gelado, onde o corpo não se sente, a alma rói e os dedos dos pés socializam. Não me apetece voar, o meu coração só precisa de para pum pá para conseguir fluir sozinho, basta o movimento direita-esquerda para me conseguir concentrar e ser capaz de transbordar sorrisos sucessivos, gargalhadas fluorescentes! Tudo me atravessa e nada me ultrapassa. Tudo tenta arrasar mas só o toque mais simples o faz! Estou preocupada porque o meu corpo perdeu três vezes ,mas de que interessa o que o rodeia? Nada. A cada tempo reconheço aquela manhã que ainda agora voltou a começar. Passo a vida a fingir que, de certa forma, ela se repete.
E o ritmo aumenta..
Mas esqueci, e também não é suposto lembrar-me. Na segunda oportunidade fui mais alto, qualquer coisa que tinha de ver, vi. Tudo o que havia para ouvir o meu corpo saboreou. Tanta despesa, mas eu virei-me para o outro lado. Não vale a pena, deixei que o ritmo que conquistasse e voei. Não com asas, é outra maneira de voar, outra forma. Basta deixar-me levar.
É o efeito da música.
à parte (mesmo)
dia à parte
Lembro-me do primeiro salto que dei, das primeiras atitudes em que senti que o foco esteve apontado para mim, em que os que mais admiro me admiraram também e em que se formou a primeira ilustração daquilo que há tanto esboçava dentro da minha cabeça.
Nos dias em que penso que podia ter usado mais forças, em que podia ter sido menos egoísta e ter arriscado mais, nos dias em que alguém me diz que podia ter sido melhor nada se liga, nada reage. Nesses dias, o silêncio apaga a minha voz. Mas a voz do silêncio é a que diz as maiores verdades, a que fala mais alto e que consegue chegar até ao fundo da sala mais longa que tenho dentro do meu coração. Ele escuta, reprova e cria o seu próprio escudo - sabe que está errado, que nesse dia errou. Que naquele exacto momento devia ter dito não e que no momento a seguir devia ter chegado ao tecto mais alto da sala mais comprida. Os dias em que este silêncio me consome de uma forma arrogante são dias que guardo nas páginas finais, que abomino, páginas que apenas guardam a força e coragem para o próximo dia menos bom que chegar.
Hoje, é um dia em que me apetece dizer palavras estúpidas, gritar com toda a gente, berrar comigo, morder quem me tentar contrariar e ser a pessoa mais orgulhosa do mundo. É um dia em que pouco me passa ao lado, tudo me irrita e toda a gente está contra mim. Há dias assim, e dias como estes fazem-me sentir como nova no dia seguinte. Faz-nos mal ter todos os dias pintados de cor-de-rosa, só com coisas boas, só com sorrisos. Hoje, não choro, bem pelo contrário, tenho vontade de não agir como devo, apetece-me quebrar regras, ser presa e fugir.
Jazz
E, recentemente, o jazz faz-me lembrar as manhãs de sol, elementos discordantes, verdes, faz-me pensar no arrugante estalar do dedo, na cadeira de madeira e no abanar divertido da anca e dos ombros. É um tipo de música que me apaga do sítio onde estou e me leva até às teclas do piano. Traz-me o riso prevertido, o sorriso que vem da esquina do olho, a nitidez de sábados à noite.
São momentos que apaparicam a vida, momentos de ouro, sons de autocarros, pessoas, corações que se misturam e criam uma melodia docemente estúpida.
No fim de a ouvir sinto-me... Satisfeita!
Espera!
(Clarice Lispector)
Para que querer saber que estou a beber água se de facto o que estou a fazer é matar a sede? O que eu faço, todos os dias, é navegar no rio que atravessa o meu chão, colher todas as flores que encontro e cumprimentar todos os leões ou pássaros que vejo! O Homem acaba a vida a medir passos, a seguir carreiras ou a traçar caminhos. Eu descobri, com o tempo, que o importante não é, de longe, agarrar-me a nada, nem ter de pensar no que tenho de fazer amanhã para poder ser feliz e ter um dia melhor. Eu tento viver cada momento com a sua graça, retiro de cada gesto uma recordação e de cada sonho que tenho, guardo, com a força que aprendi a ter, aquilo que tenho de trazer para a realidade. A partir daí os caminhos traçam-se, os dias conquistam sempre a sua pureza instintiva e o tempo, em vez de correr, passeia.
Viagem
Mandou-me deitar, fechar os olhos. De repente, a luz que incidia nas pálpebras dos meus olhos desapareceu - agora limitava-me a sentir o meu corpo. Pediu-me para fazer uma viagem e repetiu essa palavra mais que uma vez. Comecei por me imaginar numa viagem que realizei e que me trouxe tanta água quente aos olhos, até que ele disse a palavra Corpo. E essa palavra diz-me TANto. Comecei então pelos cinco e percorri-os com a calma que ele pediu, com a concentração máxima – abstraí-me de tudo o que se estava a passar, dos sons não desejados e da vibração consistente. Passei para os nervos mais fortes, eram vermelhos, alguns arroxeados. Vi a pedra no centro e descortinei uma parte esponjosa (não sei porque a imaginei assim). Caminhei mais um pouco até encontrar um conjunto de órgãos tão complexo que não o consegui observar. Vi apenas os dedos entrelaçados dentro de mim própria. Subi mais um pouco e, para meu espanto, imaginei tudo brilhante, como diamantes: o queixo, o nariz e a parte superior da cabeça.
Essa viagem acabou antes de ele me mandar acordar. Então aproveitei e pensei no que realmente estava a fazer, pensei no corpo, no peso que tem, na força que transporta. Centrei-me no peso. Senti que estava a ser empurrada contra o colchão, contra uma parede. Nunca me tinham posto assim, nunca me tinham dado tanta liberdade e quando a senti desta forma pensei em coisas que nunca recordei com tanta intensidade, momentos tão livres, tão arriscados.
Vou repeti-la, como ele pediu, antes de adormecer.
Vermelhão
A pouco e pouco cria-se um canto macio, um espaço em que se abreviam as feridas todos os dias, todas as noites. Eu entendo esse lado como sendo positivo porque é onde se podem criar sonhos e esperanças, onde se formam rios de recordações e onde se transforma uma negra nuvem em palavras belas e claras. Faz de uma rosa vermelho difícil, uma flor que, na minha memória, tem um tom creme, leve e azul. Aí, consigo transformar mares de mentira em sorrisos simples mas cálidos. Afinal, todos podemos remodelar um trono cruel em retratos cuidados e pintados com as fantasias que a nossa alma autêntica molda, porque a minha vivência é sempre marcada por cores e sons que eu traço, nada é real, tudo se trata dessa fotografia que embelezo com palavras cores-de-laranja, azuis, verdes ou roxas. Se não pintarmos o nosso mundo, a nossa existência, tudo o que presenciamos se torna numa rotina com falta da pimenta que esta vida exige.
Ainda bem que o Tejo é lilás.
nenu
Tu trazes mais do que qualquer amigo. Tu consegues fazer-me passar de um choro compulsivo para uma gargalhada imparável, e houve uma noite em que conseguiste fazê-lo de uma forma brilhante. Chorei tanto, estiveste ao meu lado, sentada, ouviste-me soluçar como uma criança, mas poucos minutos depois estávamos a dançar música dos anos 80. É isso que amo em ti e que me faz tão bem. Consegues remexer nos meus sonhos, mudá-los e torná-los possíveis. Há atitudes tuas que servem como uma chama para aquecer o pedaço que vais alimentando todos os dias. Tento ser-te a mais sincera, sempre, e tudo o que tenho a mais é teu, tudo o que me dás eu recolho com o dobro dos braços que tenho e todos os sorrisos que esboças são alegrias que me ofereces!
Sabes melhor do que ninguém que ao longo destes anos o que formámos é muito forte e neste momento és mais do que uma amiga, mais do que a Inês Vaz, mais do que a minha amiga, colega ou consciência, és a que ponho em primeiro lugar, aquela com quem partilho tudo: sorrisos, choros, abraços, refeições, banhos.
Amo-te por me transmitires tanta força, por me ensinares o caminho que devo seguir todos os dias, por me chamares irresponsável ou por me dizeres que estive bem.
Obrigado Inês.
Ouro
Todos os grãos formam o ilusório, todas as gotas criam um molde para uma pausa, todas as expressões se apoderam da vida e começam a girar à volta do pensamento da criança que sempre quis voar. Esse desejo concretiza-se, basta sentir a areia nos pés, a água no sangue e conseguir sorrir com o maior impulso, impulso esse que tira o cansaço de todos os sítios que atingimos. Portanto, continua onde sempre viste esse lago. Nessa mesquinhez, a glória e a tristeza trazem-te o que mais anseias. Nas noites frias de Outono e na solidão que sentes, eles estão longe da gravação da tua memória. É aí que podes encontrar a calma que precisas.
rima para ser outro
Há músicas que nos tocam tanto. E dessas, tenho um conjunto que me leva para outro sítio.
Uma delas já não ouvia há muito tempo e ela tem um significado inexplicável. Recentemente confrontou-me por duas vezes. Faz-me lembrar um fundo azul, com verde e laranja à mistura. Lembra-me o escritório do coração, o objecto que traça um som que controlo, os tempos em que vivi sufocadamente. E é por voltar a ouvi-la tantas vezes, sem ser por vontade própria, que me obrigo a mim mesma a recordar esses tempos em que o céu era negro, o ar estava sujo e em que a minha alma deformava, sem perceber, o perfeito. Todas as cores estavam manchadas e desiludidas por não serem transparentemente doces. E agora ouço-a e encaro-a de outra forma – vejo uma mudança, positiva, que me invade o olhar íntimo que dou a mim própria.
Sonho
2009
Ténue
Inveja é mau, às vezes. Desta vez fez-me mal e trouxe-me para o sítio onde estou e onde pertenço por agora.
Vultos ausentes, ali, que me viram chorar com uma frase tão pequena mas que me diz tanto nestes dias. Vai ser sempre assim, e dias como este merecem-me bem, porque para que os grandes me recebessem aqui tive que fingir um sorriso que passou para algo puro e obrigatório.
Agora estou aqui e, por enquanto, estou quente com o calor da lareira. Venha domingo.
[30 de Dezembro de 2008]