fuga

Vou agora aprisionar o que não quero. Vou falar com esse tudo e vou ensinar-lhe a fugir. Quero avisá-lo de que já não me amarro a si, que não lhe vou tocar novamente e que, principalmente, o vou pousar desviado das minhas decisões. Apercebi-me de que nada disso ofende, bem pelo contrário, só risca aquilo que devia predominar todo o dia, aquilo que me oferece luz nos cotovelos mais sombrios. Depois de uma longa conversa com ele, vou ferir tudo o que nele estiver vivo, vou fazer-lhe o que me fez a mim, deixá-lo sem um vestígio de entusiasmo. Vou agir assim porque sei que esta punição é pura, limpa e necessária. Vou afogar ciúmes, desconfianças, rivalidades e medos. Vou saber vencer quando tudo esperar isso de mim, quando o rectângulo me disser que me odeia ou quando for confrontada ou comparada outra vez. Acho que, finalmente, consegui criar uma torre de necessidades que me vai ajudar a alcançar melhor tudo o que não conquistar daqui para a frente. Toda gente quer ser triplicadamente boa, mas nem a palavra, nem ninguém pode existir (ou ser) assim. Eu não quero ser boa, apenas quero ter o que é bom, quero ser genuína no que faço e brilhar em cada palavra que lhe disser.
- Pareces Fernando Pessoa. O teu problema é, exactamente como ele, não te encontrares. Se não sabes quem és, se não gostas da maneira como és e se mesmo quando tentas gostar tudo te parece confuso, significa que não sabes o que és, acho eu. Tenta seres tu, sem querer agradar a ninguém. Não penses no que os outros possam pensar nem sejas o que querem fazer de ti. Nota-se que és grande já, que já sabes tomar decisões, simplesmente não sabes quando as tomar. Se já não sabes o que é bom para ti não penses tanto.
- Como é que paro de pensar naquilo que os outros pensam ou acham de mim?
- Basta quereres, basta não ligares à sociedade materialista que temos, que só pensa no que dizemos ou como dizemos. Tens de ser tu, só tu. Aprendi isso há tão pouco tempo, em 18 anos só há um ano aprendi a agir assim. De que te serve fingires algo que não és? De que serve viveres para agradar aos outros? As únicas, únicas… Só as pessoas que gostam de ti realmente, que te aceitam como és, é que gostam de ti. Se agires conforme querem que tu ajas que estas aqui a fazer? És um pau mandado da sociedade? Tens de ser tu. Se não gostas do 'tu' então muda, mas por ti, não pelos outros.
- Estou farto de ouvir o mesmo, da mesma maneira. Eu preciso daquela maneira daquela palavra, daquela chave, daquela luz que brilhe que abra uma porta e que diga. TRUFAZ É isto e pronto. Não há mais.
- E já procuraste essa palavra?
- Já. Mas não sei qual é, nem sei como encontrá-la.

Às vezes há perguntas que só o tempo pode resolver. É preciso paciência até encontrar as soluções para coisas a que ninguém sabe responder, e essas são provadas com acções, com atitudes, com força de vontade. Só nós podemos conduzir essas respostas e nós é que temos de as transformar em gestos que possam oferecer felicidade a todos os dias para que acordamos.

sentir ou ser

o mundo salvaguarda-se quando se diverge em pedaços de terra e de sonhos. todos vivemos de sonhos. eu aprendi a conciliar as duas coisas. aprendi a saber ver a realidade, habituei-me a não viver num mundo pintado com as cores que quero e a saber tirar partido de todas as pessoas que crio dentro de mim. cada um é como é e cada um toma as suas escolhas. embora umas menos acertadas, todos temos esse direito e esse dever. todos temos de saber o que agarrar ou o que largar, porque se não soubermos acabamos por perder confiança não só naquele que queremos agarrar, como também no que largámos e nos podia ensinar tanto sobre um mundo completamente fora do nosso, fora do real - um mundo recheado, cheio. de quê? de natureza. cheio de campos onde flutuar, cheio de nuvens onde deitar, cheio de sonhos onde viver.
nada real pode ser cor-de-rosa, nada real pode ser imaginado. há imagens desfocadas, imagens sem sabor, sem paladar e sem um único ruído. essas são as melhores, as que mais guardo na alma, as que mais me tocam e me deixam mais tempo adormecida. mesmo por não ser capaz de as ver nitidamente, são como um desafio que me ponho, mas que não resolvo. sabe bem vê-lo apagado, sabe bem mordê-lo assim - sem exactidão. aprendi a aproveitar esse recheio no meu mundo, mas de uma forma conciliada e moderada para, assim, poder ser feliz. não sentir-me feliz, ser feliz.

Sem dúvida

Não estou com cabeça nenhuma nem com espírito para poder escrever como gosto, para poder explicar exactamente aquilo que sinto. Tenho vontade de poder rebentar e cuspir tudo o que disse e tudo o que pensei naquelas três horas. Todas as perguntas que me fiz agora têm um sentido ridículo, sinto-me eu ridícula por olhar para o que fez, para o que me disse. Tudo me parece uma mentira desmedida, um corte pela raiz a uma planta que ainda há pouco nasceu. Por mais que puxe qualquer tipo de arte, que dantes me aliviaria, para me poder concentrar noutra coisa, toda a força que está na ponta dos dedos para apalpar as teclas do piano, a imaginação que está na cabeça, tudo isso desaparece. Agora só uma palavra, só um dia gravado está dentro de mim, só isso me ocupou a cabeça enquanto aquelas quatro conjugações de sons me invadiam com altos e baixos que me proporcionavam o mesmo. Tanto pensei nos meus problemas como nos deles. Hoje o dia correu melhor, soube-me melhor que ontem, sem dúvida. Faz-nos bem às vezes descarregar tudo o que nos assusta em caminhos descendentes que acabam por evaporar.

Áspero

tu não consegues controlar aquilo em que pensas, não é assim tão clara a imagem do momento em que cedeste os teus sentimentos. olhas para o que queres e consegues não atingir o suficiente, o que te faz conseguir parar. os teus lábios tremem, as tuas mãos gelam e o olhar derrete-se. ficas insegura e encontras-te a ti própria quando olhas para o melhor, quando bebes o chão onde caminhas, onde passas e deixas um rasto vermelhão que assina o profundo inatingível. não é o que esperavas ou o que querias esperar, é apenas mais um suspiro que se transformou, mais uma vez, em tons aflitivos, em sons graves e em imagens escuras. e quando o mar colide com o teu coração, quando as esquinas viram curvas, quando o que sentes se sente bem, o barco que sempre navegou em ondas melancólicas agora passa a balançar-se sobre uma cópia de algo que amas. pega-lhe ao colo, põe as palavras na ponta dos lábios retraídos dos outros que se caracterizam por serem vivos. agora só tens o que lhe tiraste num balde de tinta e não podes voltar atrás, não podes fazer com que nada mude. e sabes que é difícil pintar-te mas o quarto do teu jardim está trancado com palavras que só a pele que sua todas as manhãs consegue transformar num arco-íris a preto e branco, algo que ninguém vê, ninguém atinge. será tua a culpa? pergunta, apenas.

bebé

tudo aquilo que me dás, todos os não que me ofereces, os pequenos-almoços à pressa, os almoços feitos por nós, os jantares com o sumo que tanto gostamos, o ouvido que quase perdeste, as atitudes que tens que eu critico, esse cabelo com o ninho atrás todas as manhãs, essa franja dividida por um remoinho que te caracteriza desde que te vi nascer, essas unhas que de tanto falo (...) tudo forma uma linha de catorze anos que a pouco e pouco cresce mais um ano, mais um dia, mais um segundo. num dia com vinte e quatro horas posso gozar contigo durante vinte e três delas e durante a outra não estar ao pé de ti, mas se não fosses assim não teria a quem roubar beijos ou dar à força. sabes que cada beijo, cada abraço, cada segundo em que te faço cócegas, em cada dia que não te vejo - todos esses momentos constroem uma muralha enorme que me defende todos os dias. podes não ouvir o mesmo que eu, podes não gostar da mesma camisola que eu e dizer 'ó mana, que horror' numa loja, podes gostar de alesana (ou coisa parecida) e eu gostar de sigur rós (que para ti são músicas para dormir), mas o nosso sangue é o mesmo, a nossa primeira cama foi a mesma, dei-te tantos beijos em pequenina, brinquei tantas vezes contigo e de dia para dia vejo-te crescer e passar exactamente pelo que eu passei e vejo-me em ti apesar de com gostos tão diferentes. todas as fases que te transformaram numa mulher, em vez de gozar, como tu fizeste, ri-me e senti-me orgulhosa (o que sempre te irritou), por me ver em ti, porque é contigo que partilho mais essas coisas, é contigo que janto com a televisão aos berros, é ao pé de ti que sou capaz de fazer coisas nojentas, é a ti que te roubo metade de um crepe ou um bocadinho de sumo e aí a tua personalidade ataca e és capaz de fazer aquele som que tanto repito 'tse, ah' e que mais ninguém faz tão bem como tu. cada estalo, cada pontapé, cada palavrão que te disse fez parte. e desde o dia dois de agosto de 1994 que cresces, que te desenvolves, que largas as barbies e te agarras ao computador, que deixas as papas e te babas com crepes, que deixas a zippy e vais comigo às outras, e passados uns anos deixei de te chamar bebé e passaste a ana joão.
quando for embora vou eu, e vai o teu coração comigo, o teu coração rockeiro, traquina, irrequieto, endiabrado, alegre e familiar.
amo-te

Proveito

Com cada erro que escrevo, com cada queda que dou, com cada caminho em que me engano, formo um conjunto de linhas que guardo nas primeiras páginas, como uma defesa. São os dias mais difíceis, que nos tocam mais, são nesses onde nos concentramos mais sem lhes conseguirmos dar um não seguro. Deixam feridas disformes, marcas de dor encoberta que só com tempo e cérebro se curam, só com a força do dia anterior se ultrapassam. Um dia bom traz-nos a alegria do seu título, o sorriso ao deitar ou uma gargalhada legalizada. Um dia mau não passa a ser pior por não brilhar tanto – só tenho de o transformar em força e coragem, só tiro apontamentos da lágrima que me limpou o rosto para na vez seguinte já saber como me deixar pura e igualmente limpa. Chorar faz bem, como o outro dizia, mas é melhor guardar as lágrimas que só nos trazem ainda mais melancolia, que chamam representações de que temos medo, vozes que nos azedam ou sons inquietos. É disso que mais gosto – da dor que senti e da coragem que não tive para não escorregar nas rasteiras que os dias nos dão – porque é isso que me ensina a caminhar e a saber ouvir a verdade de um pranto.
Vi, hoje, à frente de uma montra de uma pastelaria, um senhor de estatura média e cabelo branco. os olhos brilhavam-lhe como se neste mundo não estivesse. passei de carro mas todos os pormenores se transformaram em coisas óbvias.
por não terem dinheiro são piores que nós? por terem de nos tirar um euro para almoçar deixam de merecer a vida? se temos um coração tão grande, que bate tantas vezes por segundo, porquê não deixar de rir os minutos em que gozamos com eles e passarmos a vê-los de outra forma? o valor que nós damos a um prato de comida é o que eles dão a um abraço quente numa noite fria! muito daquilo que eu tenho era capaz de dar. dava para poder educar um sorriso brilhante num deles, e bastava a um porque os outros, com o companheirismo que eles ganham entre si, impossível de haver entre nós, sorririam também ao vê-lo feliz. sei, chego a ter certezas, de que todos passamos por eles e nem sequer damos pela sua presença, enquanto que a um de nós, pelo perfume, pela pulseira, pelo casaco, pelos ténis, pela parte ridícula, somos capazes de observar e de invejar por ter a etiqueta vestida. é a falsidade que transforma uma indiferença a um sorriso cínico e que, sem darmos conta, nos confronta todos os dias.
e o mais ridículo é que sou obrigada a usar um eles e um nós.

Cisma

ele cresce. devia diminuir, para meu bem pelo menos. é como aquela música gloriosa que marca tanta coisa, que ouço vezes sem conta e da qual não me farto. ele ouço-o e não me farto, como a tal. começa com uns ruídos imperceptíveis, depois começa a aproximar-se de algo conhecido, que já ouvi antes, em que já toquei antes, que até já cheguei a saborear lá naquela Espanha mais longe que a real.
não me apetece mesmo escrever agora, estou a ser invadida pela estupidez e por um sentimento que repugno que tenham. as dúvidas também são tantas, também deviam diminuir, para meu bem pelo menos. mas os sons graves e agudos são mais fortes que eu, mais fortes do que a minha razão, o pensamento agora está em cima de tudo. quero rever tudo, em câmara lenta. pede-mo só, que eu faço.

escrever

não me apetece. voltou a voz do silêncio, agora.
segundo me conheço, esta noite vai durar, demorar e porlongar-se por uns dois dias.
Perguntam-me se quero o mundo? Não, quero apenas a terra. Quero poder transmitir do meu coração o brilho em que o Sol nada, transformar as pétalas de uma margarida em belos e longos braços aquecidos pelo espírito enérgico de quem vive, agasalhar um pouco de céu dentro de mim e remodelar todos os traços imperfeitos para doces cantigas de bravura. Se eu pudesse ter tudo isso, o que fazia? Ao início não vivia, limitava-me a observar – poder ver um mundo tão perfeito, tão puro e honesto diante do meu corpo seria estupefactamente inspirador para poder, então, cantar uma nova vida, onde ninguém se vendia por um preço rancoroso que chega a educar o nojo. Tenho fome de quem canta para mim, um desejo enorme de comer toda a terra que aquece o chão onde passo e uma guia para passar a quem achar que tudo se resume ao que vemos no lado real.

into the wild

“I'm gonna be all the way out there, all the way fucking out there. Just on my own. You know, no fucking watch, no map, no axe, no nothing. No nothing. Just be out there. Just be out there in it. You know, big mountains, rivers, sky, game.”
deve ser tão bom poder ter a certeza de que não vão haver guerras dentro de nós, de que nada nos pára nem nada nos pode tirar a sensação de liberdade, um sentimento de que muita gente foge por exigir muita responsabilidade. o bicho, sem saber, deixa de ser livre quando se agarra a alguma coisa, quando se torna materialista, quando dá valor à marca, ao preço, à identidade.
essa palavra tão grande não passa de um conjunto de atitudes em que fazemos o que está certo e não ficamos sufocados ao fazer o que não devemos. há momentos em que chega a altura e a vontade de sentir o corpo andar por si, não nos deixarmos controlar, não sermos comidos pela sociedade. e dou por mim infiltrada nesse mundo sem perceber se estou onde devia, sem entender o que tentam vender, dizer ou enganar. muitas das vezes é um punho que nos trespassa sem darmos conta, sem nos apercebermos o que causámos. Se não houvesse luz, tempo, certo ou errado, nada se conjugava e formar-se-ia um novo suspiro, uma nova forma de viver onde tudo se resumia a uma planta, a um passo ou a uma brisa gelada. a cada passo que o Homem dá forma um novo erro que se pode duplicar ou quebrar o risco que nós corremos e merecemos.
Vamos respirar e passar para a próxima etapa.

Escada

Para quê tentar reformar aquilo que já estava destinado desde que o sol ardeu pela primeira vez, no segundo em que o mundo começou a correr e na altura em que o clarão foi visto pelo círculo completo e esverdeado?
Tudo se restringe às tentativas falhadas – essas que fazem o ser humano querer desistir e afundar as suas forças num baú que é abrigado no mundo mais longínquo e menos concreto.
O sol que nasceu a brilhar só agora me aquece transversalmente com uma vaga de frio que me preenche todos os espaços vazios e todos os tons imaturos, que me apaga todas as mágoas que ainda podem ter um canto de vida.
Agora, que estou sentada, no escuro da alma, onde o pó se apodera de mim, onde ninguém me ouve, entrego-me ao momento e penso em todas as companhias da euforia. Dentro do meu sonho consigo criar um arco-íris, consigo transformar uma roda num pé, uma revista num livro recheado de poesia e despido de ruídos. E todas as dores que visualmente me caracterizam desaparecem - passei a transbordar apenas a cor da calma, da serenidade, do conforto que tenho comigo, dos parques, dos cafés, dos bancos de jardim e da madeira apedrejada.
Aqui, ouço um relógio, sinto-lhe o tom e cheiro-lhe as batidas melancólicas e solidariamente contínuas. É como se o tempo agora me tivesse sido entregue, como se tudo o que gira à minha volta esperasse por mim.
O mundo parou e o meu corpo continua a balançar-se nesta pancada que me agonia a cada longo segundo.

Um ano e trinta e quatro dias depois

O que vejo não é, de longe, o que esperava de mim. Tenho, diante dos meus olhos, a decepção do que tinha planeado desde um dia 17 de Dezembro de 2007, um dia escuro que me mostrou uma solução. Foi nesse dia que muita ligação se cortou e muitos fios se reavivaram até soltar algo esperado e assustador, ao mesmo tempo. Não sou obrigada a desejá-lo outra vez, mas a mente obriga-me, ela obriga-me e eu sei que sou capaz de chegar ao mesmo ponto, porque se já lá estive, se já lhe toquei e já a cheirei, ouvi e senti, porque não voltar a fazê-lo e a sentir-me limpa, melhor e superior de novo? Basta um esforço, umas horas, menos subsistência da minha parte. Eu sei que o meu corpo aguenta não ser corroído por algo avassalador, algo que apenas me traz mau ambiente íntimo, que alimenta uma mancha dentro e fora de mim. Pode até dar-me robustez ou passar-me vida, mas traz-me o que menos quero, aquilo de que tenho pavor e que tantas vezes desonrei. Não me guardo porque não me dou autoridade para isso, mas às vezes gostava de poder ter um cotovelo onde me camuflar por completo sem ser rotulada. Tudo vai voltar a anotações, comentários, ao caderno corado e às tentativas frustradas. Eu sei conquistar, fica a promessa num dia 20 de Janeiro 2009, mais de um ano depois.

Claridade

Levemente adocicada.
É como se todos os problemas tivessem desaparecido. Estão lá, mas não os sinto nem os ouço! É maravilhoso o que a concentração faz comigo. Notas que cantam, é um ritmo viciante que muda aos poucos e que de repente se transforma em batimentos mais modestos, mas mais acelerados. Apetece-me chocolate, apetece-me mergulhar dentro do mar gelado, onde o corpo não se sente, a alma rói e os dedos dos pés socializam. Não me apetece voar, o meu coração só precisa de para pum pá para conseguir fluir sozinho, basta o movimento direita-esquerda para me conseguir concentrar e ser capaz de transbordar sorrisos sucessivos, gargalhadas fluorescentes! Tudo me atravessa e nada me ultrapassa. Tudo tenta arrasar mas só o toque mais simples o faz! Estou preocupada porque o meu corpo perdeu três vezes ,mas de que interessa o que o rodeia? Nada. A cada tempo reconheço aquela manhã que ainda agora voltou a começar. Passo a vida a fingir que, de certa forma, ela se repete.
E o ritmo aumenta..
Mas esqueci, e também não é suposto lembrar-me. Na segunda oportunidade fui mais alto, qualquer coisa que tinha de ver, vi. Tudo o que havia para ouvir o meu corpo saboreou. Tanta despesa, mas eu virei-me para o outro lado. Não vale a pena, deixei que o ritmo que conquistasse e voei. Não com asas, é outra maneira de voar, outra forma. Basta deixar-me levar.
É o efeito da música.
Serão efeitos secundários da poesia?

à parte (mesmo)

foi naquele momento que o laranja se tornou amarelo. um relógio que eu própria controlava transformou-se num padrão aos quadrados, um padrão ofuscante, confuso. cada quadrado tinha um padrão, e cada padrão um quadrado. cada segundo parecia uma hora, e cada hora se tranformou de repente num mar de segundos. apetece-me kings!

dia à parte

Lembro-me do primeiro salto que dei, das primeiras atitudes em que senti que o foco esteve apontado para mim, em que os que mais admiro me admiraram também e em que se formou a primeira ilustração daquilo que há tanto esboçava dentro da minha cabeça.
Nos dias em que penso que podia ter usado mais forças, em que podia ter sido menos egoísta e ter arriscado mais, nos dias em que alguém me diz que podia ter sido melhor nada se liga, nada reage. Nesses dias, o silêncio apaga a minha voz. Mas a voz do silêncio é a que diz as maiores verdades, a que fala mais alto e que consegue chegar até ao fundo da sala mais longa que tenho dentro do meu coração. Ele escuta, reprova e cria o seu próprio escudo - sabe que está errado, que nesse dia errou. Que naquele exacto momento devia ter dito não e que no momento a seguir devia ter chegado ao tecto mais alto da sala mais comprida. Os dias em que este silêncio me consome de uma forma arrogante são dias que guardo nas páginas finais, que abomino, páginas que apenas guardam a força e coragem para o próximo dia menos bom que chegar.
Hoje, é um dia em que me apetece dizer palavras estúpidas, gritar com toda a gente, berrar comigo, morder quem me tentar contrariar e ser a pessoa mais orgulhosa do mundo. É um dia em que pouco me passa ao lado, tudo me irrita e toda a gente está contra mim. Há dias assim, e dias como estes fazem-me sentir como nova no dia seguinte. Faz-nos mal ter todos os dias pintados de cor-de-rosa, só com coisas boas, só com sorrisos. Hoje, não choro, bem pelo contrário, tenho vontade de não agir como devo, apetece-me quebrar regras, ser presa e fugir.

Jazz

A música tem em mim um efeito que mais nada pode ter. Permite-me deixar de pensar em problemas, em desafios menos provocadores, em distúrbios.
E, recentemente, o jazz faz-me lembrar as manhãs de sol, elementos discordantes, verdes, faz-me pensar no arrugante estalar do dedo, na cadeira de madeira e no abanar divertido da anca e dos ombros. É um tipo de música que me apaga do sítio onde estou e me leva até às teclas do piano. Traz-me o riso prevertido, o sorriso que vem da esquina do olho, a nitidez de sábados à noite.
São momentos que apaparicam a vida, momentos de ouro, sons de autocarros, pessoas, corações que se misturam e criam uma melodia docemente estúpida.
No fim de a ouvir sinto-me... Satisfeita!

Espera!

O que importa afinal, viver ou saber que se está vivendo?
(Clarice Lispector)

Para que querer saber que estou a beber água se de facto o que estou a fazer é matar a sede? O que eu faço, todos os dias, é navegar no rio que atravessa o meu chão, colher todas as flores que encontro e cumprimentar todos os leões ou pássaros que vejo! O Homem acaba a vida a medir passos, a seguir carreiras ou a traçar caminhos. Eu descobri, com o tempo, que o importante não é, de longe, agarrar-me a nada, nem ter de pensar no que tenho de fazer amanhã para poder ser feliz e ter um dia melhor. Eu tento viver cada momento com a sua graça, retiro de cada gesto uma recordação e de cada sonho que tenho, guardo, com a força que aprendi a ter, aquilo que tenho de trazer para a realidade. A partir daí os caminhos traçam-se, os dias conquistam sempre a sua pureza instintiva e o tempo, em vez de correr, passeia.

Viagem

Agora já não o consigo sentir da mesma maneira, porque foi tão intenso para mim que a concentração que ali adquiri não é possível de ter de outra forma. Mas verbalizo-o, com a recordação do que se passaram naqueles dez minutos.
Mandou-me deitar, fechar os olhos. De repente, a luz que incidia nas pálpebras dos meus olhos desapareceu - agora limitava-me a sentir o meu corpo. Pediu-me para fazer uma viagem e repetiu essa palavra mais que uma vez. Comecei por me imaginar numa viagem que realizei e que me trouxe tanta água quente aos olhos, até que ele disse a palavra Corpo. E essa palavra diz-me TANto. Comecei então pelos cinco e percorri-os com a calma que ele pediu, com a concentração máxima – abstraí-me de tudo o que se estava a passar, dos sons não desejados e da vibração consistente. Passei para os nervos mais fortes, eram vermelhos, alguns arroxeados. Vi a pedra no centro e descortinei uma parte esponjosa (não sei porque a imaginei assim). Caminhei mais um pouco até encontrar um conjunto de órgãos tão complexo que não o consegui observar. Vi apenas os dedos entrelaçados dentro de mim própria. Subi mais um pouco e, para meu espanto, imaginei tudo brilhante, como diamantes: o queixo, o nariz e a parte superior da cabeça.
Essa viagem acabou antes de ele me mandar acordar. Então aproveitei e pensei no que realmente estava a fazer, pensei no corpo, no peso que tem, na força que transporta. Centrei-me no peso. Senti que estava a ser empurrada contra o colchão, contra uma parede. Nunca me tinham posto assim, nunca me tinham dado tanta liberdade e quando a senti desta forma pensei em coisas que nunca recordei com tanta intensidade, momentos tão livres, tão arriscados.
Vou repeti-la, como ele pediu, antes de adormecer.

Vermelhão

A pouco e pouco cria-se um canto macio, um espaço em que se abreviam as feridas todos os dias, todas as noites. Eu entendo esse lado como sendo positivo porque é onde se podem criar sonhos e esperanças, onde se formam rios de recordações e onde se transforma uma negra nuvem em palavras belas e claras. Faz de uma rosa vermelho difícil, uma flor que, na minha memória, tem um tom creme, leve e azul. Aí, consigo transformar mares de mentira em sorrisos simples mas cálidos. Afinal, todos podemos remodelar um trono cruel em retratos cuidados e pintados com as fantasias que a nossa alma autêntica molda, porque a minha vivência é sempre marcada por cores e sons que eu traço, nada é real, tudo se trata dessa fotografia que embelezo com palavras cores-de-laranja, azuis, verdes ou roxas. Se não pintarmos o nosso mundo, a nossa existência, tudo o que presenciamos se torna numa rotina com falta da pimenta que esta vida exige.

Ainda bem que o Tejo é lilás.

nenu

Cada pessoa que conhecemos preenche um lugar no nosso coração, aquele lado onde guardamos, não as pessoas em si, mas sim o que elas nos trazem e todas as figuras que vamos conhecendo ganham um significado, cada uma à sua maneira, cada uma com a sua importância.
Tu trazes mais do que qualquer amigo. Tu consegues fazer-me passar de um choro compulsivo para uma gargalhada imparável, e houve uma noite em que conseguiste fazê-lo de uma forma brilhante. Chorei tanto, estiveste ao meu lado, sentada, ouviste-me soluçar como uma criança, mas poucos minutos depois estávamos a dançar música dos anos 80. É isso que amo em ti e que me faz tão bem. Consegues remexer nos meus sonhos, mudá-los e torná-los possíveis. Há atitudes tuas que servem como uma chama para aquecer o pedaço que vais alimentando todos os dias. Tento ser-te a mais sincera, sempre, e tudo o que tenho a mais é teu, tudo o que me dás eu recolho com o dobro dos braços que tenho e todos os sorrisos que esboças são alegrias que me ofereces!
Sabes melhor do que ninguém que ao longo destes anos o que formámos é muito forte e neste momento és mais do que uma amiga, mais do que a Inês Vaz, mais do que a minha amiga, colega ou consciência, és a que ponho em primeiro lugar, aquela com quem partilho tudo: sorrisos, choros, abraços, refeições, banhos.
Amo-te por me transmitires tanta força, por me ensinares o caminho que devo seguir todos os dias, por me chamares irresponsável ou por me dizeres que estive bem.
Obrigado Inês.

Ouro

É leve e forte, trespassa tudo e consegue dar-te tudo o que precisas para poder estar ali, calma, mas a presença é pouco. A presença dessa palavra no nosso dia-a-dia não chega, temos de agir e intervir com os nossos ideais porque viver é isso mesmo. É invocá-los, senti-los e transportá-los em forma de onda para a ponta dos dedos. É colocá-los no topo, no fim.
Todos os grãos formam o ilusório, todas as gotas criam um molde para uma pausa, todas as expressões se apoderam da vida e começam a girar à volta do pensamento da criança que sempre quis voar. Esse desejo concretiza-se, basta sentir a areia nos pés, a água no sangue e conseguir sorrir com o maior impulso, impulso esse que tira o cansaço de todos os sítios que atingimos. Portanto, continua onde sempre viste esse lago. Nessa mesquinhez, a glória e a tristeza trazem-te o que mais anseias. Nas noites frias de Outono e na solidão que sentes, eles estão longe da gravação da tua memória. É aí que podes encontrar a calma que precisas.

rima para ser outro


Há músicas que nos tocam tanto. E dessas, tenho um conjunto que me leva para outro sítio.
Uma delas já não ouvia há muito tempo e ela tem um significado inexplicável. Recentemente confrontou-me por duas vezes. Faz-me lembrar um fundo azul, com verde e laranja à mistura. Lembra-me o escritório do coração, o objecto que traça um som que controlo, os tempos em que vivi sufocadamente. E é por voltar a ouvi-la tantas vezes, sem ser por vontade própria, que me obrigo a mim mesma a recordar esses tempos em que o céu era negro, o ar estava sujo e em que a minha alma deformava, sem perceber, o perfeito. Todas as cores estavam manchadas e desiludidas por não serem transparentemente doces. E agora ouço-a e encaro-a de outra forma – vejo uma mudança, positiva, que me invade o olhar íntimo que dou a mim própria.

Sonho

Adormeci. Parece que já durmo à muito e o cansaço conquista-me. Ali, na escuridão, já amortecida, sinto que eu própria quero sair de dentro de mim. A fraqueza domina a vontade que tenho de partir desta cerca onde permaneço à tanto tempo. Sinto-me livre, como se de uma pena me tratasse. Levanto-me, mas ao mesmo tempo sinto-me ainda estendida na cama. Tento agora concentrar-me na estrada que quero percorrer, os olhos focam o céu frio que me transmite várias luzes. Passo agora para um mundo impossível, mas real. As estrelas transformaram-se num jogo de luzes persistente e ofuscante. Fico agarrada a esse mundo, quero-o para sempre. Quero deixar aquele que nada me diz, que me perturba e que me traça um caminho que não quero percorrer. E foi por isso que me ausentei, não só pela fraqueza, mas também pela ambição daquilo que não posso ter agora, ou nunca. Procuro um mundo onde nada possa ser real e em que as pessoas não sejam ninguém. Agora, o meu corpo acompanha rigidamente as pancadas do relógio que representam um mapa do coração que lava o frio e me transpõe para o vivo. O meu coração está imóvel, mas tranquilo, enquanto eu descanso num breve sonho.

2009













Uma noite que se reduziu à simplicidade de brindes, abraços, beijos, música e muitos gritos.
Sejam louvados o Bob e Madonna!
Mais uma para o espaço mais quente do coração.

Ténue

Eram seis vultos que observei naquele Caminho. Dois representaram o que quero para depois; os outros quatro tomaram conta do meu coração sem me conhecerem - tinham aquilo que admiro continuamente, longe ou perto. Tinham o toque e a fala mais doce e recente, mas atitudes invejáveis e que mereceram três partes do bolo.
Inveja é mau, às vezes. Desta vez fez-me mal e trouxe-me para o sítio onde estou e onde pertenço por agora.
Vultos ausentes, ali, que me viram chorar com uma frase tão pequena mas que me diz tanto nestes dias. Vai ser sempre assim, e dias como este merecem-me bem, porque para que os grandes me recebessem aqui tive que fingir um sorriso que passou para algo puro e obrigatório.
Agora estou aqui e, por enquanto, estou quente com o calor da lareira. Venha domingo.

[30 de Dezembro de 2008]