Escada

Para quê tentar reformar aquilo que já estava destinado desde que o sol ardeu pela primeira vez, no segundo em que o mundo começou a correr e na altura em que o clarão foi visto pelo círculo completo e esverdeado?
Tudo se restringe às tentativas falhadas – essas que fazem o ser humano querer desistir e afundar as suas forças num baú que é abrigado no mundo mais longínquo e menos concreto.
O sol que nasceu a brilhar só agora me aquece transversalmente com uma vaga de frio que me preenche todos os espaços vazios e todos os tons imaturos, que me apaga todas as mágoas que ainda podem ter um canto de vida.
Agora, que estou sentada, no escuro da alma, onde o pó se apodera de mim, onde ninguém me ouve, entrego-me ao momento e penso em todas as companhias da euforia. Dentro do meu sonho consigo criar um arco-íris, consigo transformar uma roda num pé, uma revista num livro recheado de poesia e despido de ruídos. E todas as dores que visualmente me caracterizam desaparecem - passei a transbordar apenas a cor da calma, da serenidade, do conforto que tenho comigo, dos parques, dos cafés, dos bancos de jardim e da madeira apedrejada.
Aqui, ouço um relógio, sinto-lhe o tom e cheiro-lhe as batidas melancólicas e solidariamente contínuas. É como se o tempo agora me tivesse sido entregue, como se tudo o que gira à minha volta esperasse por mim.
O mundo parou e o meu corpo continua a balançar-se nesta pancada que me agonia a cada longo segundo.

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