chaga

quando eu cair eu espero, ao menos, que olhes para trás.
[Chaga - Ornatos Violeta]

há palavras tão frias, que nos tornam o corpo a pele de uma galinha. é um arrepio que atravessa as costas e que, quando chega à cabeça, nos provoca medo de nós próprios, medo de termos escolhido mal as palavras, a força com que empurrámos ou os conselhos que demos. são tantas dúvidas na cabeça de uma crinça que acabam por corroê-la por dentro. tudo se tranforma de doces e leves penas em pesadas nuvens carregadas de água. água corrosiva ao coração das almas onde toca.

razão

quando me perguntaram quantos dias tinha uma semana, fiquei perplexa. são nuvens que passam a cada uma e que não deixam uma única gota. o cheiro, sinto-o. aquele aroma dos morangos frescos de Primavera. como-os e sinto-lhes o sabor no meu paladar. agora, dou comigo a tentar não fechar os olhos, a oferecer mais uns sorrisos ao mundo, à secretária e ao lençol preto que se descobre por baixo de mim. cansei os calculismos, as medições feitas a medo. fiz tudo o que devia, e nunca dei a volta por cima. não acredito em Deus, não acredito no destino nem em bruxas. acredito no hoje, no agora. vou dormir, aspirar o que de bom os sonhos têm e antever algo que hei-de trazer a este mundo, só amanhã, num agora próximo.

«mais chegadinhos»

tanta, mas tanta energia. fazia tudo mais umas mil vezes, dava os mesmos pulos, fazia mais umas corridas iguais às que fiz naquela longa rua. o momento em que me sentei atrás de um carro foi delirante. a parte mais surreal foi levantar-me e estarem todos os meus bisnetos a correr para o outro lado para me procurar. os beijos, os abraços, os paços de dança que se fizeram estão dentro de mim, ainda agora. cada presença ali teve um significado. cada um me tocou de sua maneira! obrigado pelas longas nove horas que contam esta noite.

banco de apostas

sons breves, colcheias mudas, cheiros corrosivos mas agradáveis - é o que de melhor a vida tem. o chilrear de um pássaro sabe bem, mas não é o melhor, tal como o cair do café dentro da minha chávena ao pequeno almoço. bom bom, é arriscar, é sentir apenas por um milésima de segundo, ouvir apenas o que não posso (mas consigo) e pisar uma linha proibida. o máximo que me pode acontecer é morrer. mas venham daí as vozes julgadoras, venham os jogos de sedução e os boatos; eu estou nessa linha, a rir-me das mesquecisses que geram por um cão verde.

tinta preta

como tudo se pinta! e fazem-no de tal forma que chegam a pintar-se a si mesmos. é uma volta que o meu estômago dá ao cérebro. e é aí que reformulo o sítio onde estou, onde formo um caminho só para mim, só com a minha carteira, o meu casaco e a minha música que sai do meu mp3. nesses cinco minutos andei, vi pedofilia nos olhos de um rapaz e tristeza nos olhos de uma criança. vi muito álcool, janelas sujas, idosos, uns zangados e outros orgulhosos. são estas caminhadas que me fazem esquecer a cor escura de que pintam uma árvore. eu dou-lhe a sua cor verdadeira - o azul e o amarelo.

porto

O Porto é mesmo a cidade dos que se perdem pelas ruas caracterizadas pelo vermelhão e o amarelo. São os pequenos e grandes senhores sentados à mesa a conviver, conversando acerca do preço do peixe ou do jogo da semana passada. São as pessoas a acordarem mais cedo para chegarem a um sítio que fica apenas a cinco minutos de casa, mas que devido ao extenuante trânsito que caracteriza esta cidade, são forçadas a adivinhar a aragem mais cedo. O Porto tem a cor e o cheiro que uma criança inconsciente guarda dentro de si, é feito de fitas e de linhas sem sentido algum; são as pombas que se tornam amorosas por nos acompanharem em vez de fugirem, são as praças cheias de luz e tão guardadas de remorsos. Não é o tamanho físico que a caracteriza, mas sim a força que esse tamanho impõe. É lá que me refugio, é lá que passo maior parte do tempo calada, por me sentir obrigada a admirar o que de tão bonito esta cidade tem dentro de si.

estrada

era mesmo um sonho meu, algo por que dava tudo. escrevo uma história agora, a de onde tirei o último pedacinho que coloquei aqui, e revejo-me na personagem que criei. a rapariga já de vinte anos que agora se cinge ao mundo. já passou por muitos sítios, viveu mais nesses dois anos do que na vida inteira. ainda que nova, sabe mais que o próprio avô, sente mais que ele; liga mais ao pormenor do que o geral. eu gostava de poder sentir como ela, viver como ela. largava tudo - família, amigos, casa, país, e fazia com que apenas a estrada me guiasse. via a vida do rapaz da China, observava o pé do de França e mimava a doce pequenina que vadiava, como eu, no cimo de uma colina de África. acho que com esse pouco me contentava para a vida inteira.

um simples baloiço

Estivemos à conversa longos minutos, onde lhe contei acerca da semana que passei na Noruega, das caminhadas que fiz e do sol que apanhei, até que me pediu que o acompanhasse às traseiras da casa – os baloiços. Acredito que com muito esforço, conseguiu renová-los. A ferrugem já não morava ali, foi comida pela cor que ele lhes ofereceu. Estavam laranjas, com umas riscas azuis e o pedaço de madeira onde nos sentamos agora era amarelo. Mesmo com os meus vinte anos feitos, a vontade de me sentar naquele grande brinquedo como uma criança era tanta que tive de o fazer. Puxei-o pelo seu frágil e esbranquiçado braço e pedi-lhe que me empurrasse como nos velhos tempos. só consegui sentir o vento. a brisa. a magia. o som.

é o varão

deixa que a neve, o sol e o arroz caminhem ao longo dos teus braços. a esses deixa-os sentir a vibração estonteante que os assusta e acalma ao mesmo tempo. quero que feches os olhos e adormeças no nosso sono, na nossa história. sabe bem não sabe? eu habituei-me a viver numa bola gigante, vivo a tentar perceber porquê o ponto, a vírgula ou a paisagem. tento guardar cada imagem. e secalhar, por isso, tenho a impressão de que linhas foram apagadas e que o algodão doce das nuvens que odeio se instalou. agora está instalado o cor-de-rosa que todos os dias ignoro, veio para ficar. para viver? isso não! sei que são só mais uns silêncios e o coração vai ao sítio.