As vestes envidraçadas viraram agora cinzas nessa cadeira consumida por olhares indiscretos. Depois de gastos uma e outra vez, os ouvidos já não correm e pararam para dar atenção ao lar, ao toque, ao aroma das roupas lavadas, do chão molhado e da mala por abrir. Quer-se um mundo, uma estrada, uma viagem sem destino, um marco para a vida inteira. Esse vai fazer com que o nariz corra sem pés, nade sem mãos, vai permitir que um mar de ideias, de recordações e de correrias desiguais fujam e parem num fresco recomeço. Desta vez não há solidão, não há espaços vazios, não há pontos finais; há milhares de vírgulas e de correrias descontroladas até ao fim das frases nascidas no fim dos nossos tempos.
Deixa-te de coisas. Deixa-te consumir pela monotonia da vida, pelos olhos verdes, pelos fumos indecisos, pelas telhas desprezadas e pelas casas condenadas. Deixa-me jurar-te que um dia vais ter os pés embrulhados nesse papel escabroso e que vais estar seguro ao chão que sempre viste de longe. A vida é um dia, o sol enfraquece na metade e as luzes apagam-se quando o que ideavas ser não está contigo. Morres quando o rosto se macula, sentes quando o coração se castiga e o lume se apaga. O verniz acabou e o vermelho desapareceu, a pele domina-te a hesitação e apercebes-te que és o que querias ser mas não tens o que querias ter.

Ninguém é quem queria ser, eu queria ser ninguém.